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Na Praia.

Era um sábado. Noite.
Meus planos estavam dando certo.
Ela estava sentada na mesa certa. Com a bebida certa.
Ele chegou. Olhou em volta, olhou as costas daquela moça, olhou os seus longos cabelos, sua memória trouxe uma lembrança boa. Sentou-se na mesa atrás dela.
Isso, pensei.

Ela fechava os olhos quando o vento batia no seu rosto. Respirava fundo quando sentia o cheiro do mar. Seus dedos dançavam no copo gelado. Olhava o mar, seus ombros caíram demonstrando uma sensação que há muito ela não sabia o que era. Ela demonstrou olhar em volta.
Não, pensei.

Ele chamou o garçom. Um garoto de chinelos e bermudas se aproximou com um bloco na mão. Sem saber, ele pediu o mesmo que ela. O rapaz se afastou. Voltou com a bebida, e perguntou se ele estava esperando alguém, se ele queria mais um copo. Não, estou sozinho.
Será, pensei.

Ela estava no celular, olhava aquela tela sem parar, mexia aqui, ali, acolá, sem parar. O rapaz de chinelos e bermudas olha para ela, percebe que seu copo está vazio, ele quer uma gorjeta no final, se aproxima, enche seu copo, oferece outra garrafa, ela aceita. Ele se afasta, volta com o líquido, e pergunta se ela está esperando alguém, se ele traz mais um copo. Ela sorri. Não obrigada, hoje sou minha única companhia.
Será, pensei.

Ele olhou para o celular. Sentiu a brisa do mar. Pegou o copo, tomou um longo gole. Aquele líquido desceu refrescando a garganta. Fechou os olhos. Sua mente viajou por um minuto, e fez com que ele lembrasse o que havia trazido ele para aquela mesa no quiosque da praia. Mordeu os lábios tentando afastar os pensamentos. Bebeu mais um gole, bem mais curto dessa vez.
Calma, disse.

Ela olhou para sua mão direita. Tomou um longo gole da sua loirinha. Se sentiu viva. Percebeu que sentia falta de algo. Passou a ponta dos dedos naquele local que estava vazio. Lembrou de tudo que havia sofrido, respirou fundo, tomou um gole curto e decidiu que precisava dar um fim naquele sentimento de vazio. Iria comprar um anel qualquer com a primeira pessoa que a abordasse naquele momento.
Boa, disse.

Ele cruzou as mãos na mesa. Teve a mesma sensação de vazio. Faltava algo em suas mãos. Fechou os olhos e respirou fundo. A marca ainda estava ali, mesmo depois de tanto tempo. Afinal, ele havia demorado tempo demais para tirar aquele anel do lugar. Olhou uma foto no celular, bloqueou a tela, pegou seu copo e tomou um gole desinteressado. Decidiu que tentaria olhar pra frente a partir daquele momento.
Sim, disse.

Ela estava pensativa. Um "hippie" se aproxima, carregando seu mostruário de brincos, colares e… anéis. Por um momento ela deixa ele passar, mas se lembra da sua promessa e chama o rapaz de volta. Ele tem um anel lindo, cheio de cor, e "estranhamente" é o único que serve no dedo que ela quer preencher. Ela compra. Ele vai embora. Ela olha pra sua mão, e sente que precisa de uma selfie para registrar este momento. Foto pronta e postada.
Sim, disse.

Ele chama o rapaz de bermudas, pede mais uma garrafa. O garçom traz, enche seu copo… Ele observa o copo cheio, lembra da primeira vez que tomou aquele líquido… Sorri sozinho ao lembrar de sua adolescência, e das pessoas daquele tempo… Uma batida de música fica mais alta, e traz ele de volta pra realidade. Respirando mais fundo, ele pega o celular e começa a passear entre algumas fotos de amigos recentemente postadas. De repente, seus olhos param em uma foto… Ah, aqueles olhos… ele lembrou de tantas vezes que aqueles olhos sorriram pra ele.
Ele estava mudando de foto quando pensou ter visto algo conhecido no fundo.
Aeeeee, torci.

Ela sabia o que viria agora. Likes, comentários, mensagens… Algumas pessoas entenderiam o que ela realmente queria dizer naquele post. Outras apenas perceberiam a substituição do anel e viriam voando como urubus na carniça.
Ela não sabia se gostaria de ver os resultados daquela foto naquela hora. Olhou pro celular, respirou fundo e desligou a sua internet.
Sentou-se livre e aliviada.
Apenas esqueceu-se que já havia estado ali antes, e o wi-fi estava salvo.
Ufaaaaaa, comemorei.

Ele não podia acreditar no que estava vendo. Olhou a foto, olhou para frente, reparou nos cabelos dela… nos gestos dela… no jeito que ela segurava o copo… ele não podia acreditar naquela coincidência. Ele se lembrou que ela dizia que coincidências não existem. Sentiu seu coração bater, teve vontade de sorrir. Olhou de novo a foto para ter certeza do que estava vendo. Riu.
Sim, era ele. Ele viu que seus olhos tristes na foto. Por um momento não se reconheceu. De quem eram aquelas olheiras, aquela tristeza?
Pegou o seu próprio celular e abriu a câmera. Se olhou profundamente como se olhasse para um espelho. Enxergou aquela tristeza, e pensou que tinha que mudar. Olhou pra ela, e voltou o olhar para o celular. Seus olhos haviam mudado.
Voltou a olhar para aquela foto, percebeu que os olhos dela também carregavam uma tristeza. Curtiu a foto e sentiu que não poderia ficar ali, só olhando para o celular.
Vai, mandei.

Ela sente o celular vibrar na mesa. Ela não entende, afinal, sem internet ela não poderia receber notificações. Pensou que era SMS. Olhou. Riu sozinha quando percebeu que havia esquecido do wi-fi.
Viu que sua foto estava bombando. Exatamente como ela pensou. Mas viu ali, entre as curtidas, um nome que ela não esperava. Sorriu ao se lembrar dele. Lembrou do seu sorriso.
Já que estava ali, resolveu ler alguns comentários. Achou estranho um comentário de um amigo, "plot twist". Ficou tentando entender o que aquilo queria dizer. Começou a analisar sua foto. Detalhe por detalhe, sem entender. Resolveu olhar a foto original e usar o zoom. Olhou o fundo da foto, e levou a mão à boca. Ela não podia acreditar. Como ela não tinha visto isso antes? Tinha alguém muito parecido com o seu passado atrás dela.
Ela quer olhar para trás, mas tem medo. Espera não ser, ao mesmo tempo que torce para que seja. Pensou em abrir a câmera do celular para olhar, mas pensou que não seria muito discreto.
Olha, mandei.

Ele aproveita a deixa, enquanto ela olha para trás, se aproxima silenciosamente, e senta em sua mesa.
Ela, espantada por encontrar a mesa vazia, volta o corpo para frente, e derruba o copo ao ver que alguém sentou em sua mesa.
No instinto, eles seguram o copo, e suas mãos se tocam.
Ela sente aquele choque no corpo todo, ela sabe o que era aquilo. Fixa o olhar naquelas mãos, ela conhecia aquelas mãos. Tinha medo de levantar o olhar.
Ele sente o tremor, sente as mãos que estão nas suas gelarem. Ele percebe que ele também não havia esquecido aquele toque.
Eles não conseguem soltar as mãos.

Eu aproveito para olhar os dois mais de perto.
Caminho em volta da mesa.
Cheiro o copo, faço uma careta.
Toco nos ombros deles, sinto um leve tremor.
Danço pelos fios dos cabelos dela, me divido em duas, me transformo em ar.
Ela levanta o olhar. Eu brilho em seu olhar.
Ele sorri. Eu transbordo em seus poros.

Ela enrubesce, solta a mão dele, levando o copo à boca, como se estivesse assustada. Respira fundo.
Ele ri alto, como se não acreditasse. Também bebe um gole.
Longe de casa, em meio ao desconhecido, eles se encontraram.
Em um passado longínquo, eles haviam prometido serem sempre melhores amigos, não importa o quê, sempre seriam o porto seguro um do outro… a vida os separou. A vida se encarregou de uni-los novamente.

Eu estava ali, ao lado deles, ouvindo cada palavra, juntando com as minhas memórias, ajudando quando um deles esquecia algum detalhe… afinal, eu sabia de cada detalhe de tudo que eles queriam contar… e eu sabia o que devia ser falado ali, e o que não.
Era minha missão cuidar daquelas almas cheias de sofrimento. Mamãe me ensinou que todos precisam ser felizes. E aqui estou, continuando com o trabalho dela, mesmo quando ela se afasta. E muitas vezes tenho que ficar arrumando a bagunça dela por aqui.
Ela é uma eterna adolescente. Eu sou aquela que aprendeu a arrumar as trapalhadas.

E ali, em uma mesa de um quiosque na praia, entre cervejas e batatas, com os pés no mar, uma leve brisa salgada bagunça os cabelos dela… ela balança a cabeça, mas um fio insiste em ficar ali no rosto dela.
Ele fecha os olhos por um minuto, para fugir dos grãos de areia que insistiam em invadir seus olhos… sente aquele momento no coração.
Ela ri da situação, era absurdo demais. Estavam tão longe de casa, fugindo da mesma dor, e se encontraram de uma maneira tão inesperada.
Ele olha ela rindo… e percebe como ela era bonita.
Ela percebe o olhar dele, fica sem jeito e abaixa a cabeça.
Ele se aproxima, passa os dedos em seu rosto, finalmente tirando aquele fio de cabelo teimoso, e fazendo ela olhar pra ele.
Ela fecha os olhos, sentindo aquele toque.
Ele beija ela. Ela retribui. Eles se entregam.
Missão cumprida. Mais uma bagunça arrumada.
Isso, celebrei.

E me afastei, buscando a próxima missão.
Mas não para sempre, afinal sou sempre a última a morrer.

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